O futuro incerto do WordPress e a promessa do ClassicPress
18/8/2022
Imagino que falar como a salsicha é feita só interessa a quem produz salsicha ou tem gostos… peculiares. Mesmo assim, peço licença a você para falar de um bastidor que, embora ainda não seja um problema, tem me preocupado.
O Manual do Usuário é publicado usando um sistema chamado WordPress. É um CMS — sigla em inglês para sistema de gerenciamento de conteúdo — dos mais antigos e, de longe, o mais popular da web hoje: estima-se que 40% dos sites ativos usem ele. Tem o código aberto, funciona bem, quase nada a reclamar.
Em dezembro de 2018, a Automattic, empresa que cuida do WordPress, lançou a versão 5.0 com uma mudança radical: o Gutenberg, um novo editor de posts bastante visual, baseado em blocos em vez de texto corrido.
O Gutenberg muda um bocado o processo de redação. Se antes eu me deparava com um campo de texto com alguns botões de formatação no topo, uma espécie de Word simplificado, agora era possível manipular toda a aparência do conteúdo usando os tais blocos.
Não foi uma mudança muito bem recebida. Até hoje, o plugin Classic Editor, que restaura o editor estilo Word usado até o WordPress 4.9, é dos mais populares da plataforma, com +5 milhões de instalações ativas e nota cinco estrelas (máxima).
A Automattic dobrou a aposta no Gutenberg no começo de 2022 trazendo ao WordPress 6.0 um negócio chamado Full Site Editor: agora, além dos posts, o usuário poderia redesenhar o site inteiro com blocos. Com isso, o WordPress se afastou ainda mais de ser um mero publicador de blogs ou sites baseados em texto para ser… sei lá, qualquer coisa que não isso.
Com o Gutenberg, a Automattic — que, vale mencionar, mantém uma operação comercial que tem o WordPress como base, o WordPress.com — quis comprar briga com sistemas do tipo “faça você mesmo”, notadamente Squarespace e Wix. Não por acaso: esses têm alcançado grande reconhecimento e muitos usuários (e dinheiro) nos últimos anos, pois mais fáceis de lidar por quem não é programador.
E é, realmente, mais fácil fazer um site ao gosto do freguês com o Gutenberg, mas a que custo? Para mim, o maior problema é a complexidade na hora de escrever e o código “sujo” que ele gera na saída, na hora de exibir o site aos visitantes. (Eu me importo um bocado com essa parte “invisível” do site. E não sou o único insatisfeito com o Gutenberg.)
O novo direcionamento do WordPress aliena uma parte significativa da base de usuários. No mínimo, aqueles 5 milhões que usam o Classic Editor. Talvez não sejam os usuários mais rentáveis, mas é uma galera que, em muitos casos, confia na ferramenta há uma era para ganhar seu pão de cada dia ou apenas para manter sites que vão muito bem sem o Gutenberg, obrigado. É o meu caso: o Manual existe há quase dez anos.
No momento, o WordPress atende às necessidades de um site como o Manual do Usuário porque ainda é possível neutralizar boa parte dos excessos que o Gutenberg traz ao sistema. Até quando? Não sei.
Todo o desenvolvimento do WordPress gira em torno dos blocos, do Gutenberg, tanto da Automattic como dos terceiros do ecossistema — desenvolvedores de plugins, temas e soluções. Isso gera pressão e apreensão em quem não se dá bem com os blocos e prefere passar sem eles.
O Classic Editor, por exemplo, era para ter sido descontinuado no final de 2021. Ganhou um ano de sobrevida devido à sua popularidade. No final de 2022, ele será abandonado? Não sei.
Mesmo um site simples como o Manual do Usuário tem várias dependências com o CMS escolhido. É quase uma década de história, de arquivo baseado nos recursos, limitações e possibilidades do WordPress, afinal. Migrar para outra ferramenta é sempre uma opção, não raro uma traumática e que deixa sequelas.
É por isso que tenho olhado com carinho para o ClassicPress. Em 2019, pouco depois do WordPress 5.0 ser lançado, um grupo de desenvolvedores bateu o pé e preferiu ficar na versão 4.9. Nascia ali o ClassicPress.
Em três anos, porém, os progressos foram tímidos e, para piorar, a parte burocrática e os dramas internos seguem tumultuando a parte que importa, a do código.
No final de junho, os dois desenvolvedores que lideravam a ClassicPress Initiative, a empresa sem fins lucrativos que responde pelo projeto, saíram sob fortes críticas. Um novo grupo assumiu com a missão de retomar o entusiasmo e fazer o projeto ir para frente.
Não é um trabalho fácil. A estrutura (e o dinheiro) da Automattic estão em outra escala de magnitude. A ClassicPress Initiative ainda conta os centavos para pagar as despesas operacionais. De saída, os antigos diretores disseram que havia US$ 352 na conta bancária da empresa.
Mesmo nesse cenário não muito promissor, seria ótimo se o ClassicPress prosperasse. A nova diretoria abriu um financiamento coletivo para custear as despesas. O Manual do Usuário, na minha figura, tornou-se apoiador de primeira hora.
Ainda não é a hora de migrar o Manual para o ClassicPress, porém. O projeto está cru e os novos diretores ainda precisam resolver questões fundamentais, como manter a compatibilidade com plugins do WordPress ou partir para uma ruptura total.
Um dia, se as coisas caminharem bem, migramos. O meu temor, porém, é que esse dia chegue antes das coisas estarem bem, quando o WordPress virar algo incompatível com o Manual do Usuário, com o que ele era lá no início até a fatídica versão 5.0 no final de 2018.